Nunca se falou tanto sobre o lipedema. A doença, caracterizada pelo acúmulo de tecido gorduroso com aumento desproporcional no tamanho dos membros, tem ganhado destaque na imprensa e na internet, com diversas celebridades compartilhando seus diagnósticos do problema, incluindo a ex-paquita Tatiana Maranhão e a influenciadora Camila Loures. A estimativa é que a doença atinja 10% da população feminina. Mas a condição parece ter surgido da noite para o dia: a discussão sobre o assunto até pouco tempo era praticamente nula. Então, o que fez com que o lipedema virasse a “doença da moda”? “Na verdade, o lipedema sempre foi um problema. Ele não está ‘na moda’, apenas está ganhando o devido reconhecimento. Mas não víamos o assunto ser muito discutido por uma série de motivos. Por exemplo, apesar de ter sido descrito há mais de 80 anos, foi só no ano passado, em 2022, que o lipedema foi padronizado como doença, passando a fazer parte da Classificação Internacional de Doenças (CID)”, explica a cirurgiã vascular Dra Aline Lamaita, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular. “Isso se traduziu em uma literatura científica muito escassa sobre o lipedema, com poucos médicos possuindo conhecimento sobre a doença. Além disso, pouco se sabia sobre um tratamento específico e realmente eficaz.”
Então, o que mudou? Além de ter sido padronizado como doença, o que contribui para que mais médicos tomassem conhecimento sobre o lipedema e mais pesquisas sobre o tema fossem desenvolvidas, o tratamento da condição também evoluiu muito e, hoje, existem abordagens eficazes. “Apesar de ser uma doença crônica, isto é, sem cura, o lipedema pode ser controlado quando devidamente abordado. E hoje temos uma linha de tratamento eficaz nesse sentido que envolve uma equipe multidisciplinar composta por cirurgião vascular, nutricionista, fisioterapeuta e, eventualmente, ortopedista e cirurgião plástico”, diz a Dra. Aline Lamaita. “É muito importante destacar que o tratamento do lipedema não se restringe a cirurgia com lipoaspiração para retirada da gordura. Esse é apenas um dos pilares no controle da doença, que é realmente essencial em alguns estágios, melhorando muito a qualidade de vida da paciente. Mas o tratamento clínico precisa ser feito antes e depois, em todos os casos, com medicamentos e uso de meias de compressão. Além disso, mudanças no estilo de vida também são indispensáveis para modulação do estado inflamatório, com adoção de uma alimentação anti-inflamatória e prática regular de atividade física.”
Mas a Dra Aline ressalta que, apesar do reconhecimento sobre o lipedema ter aumentado, inclusive com junho sendo nomeado o Mês de Conscientização do Lipedema, ainda há um longo caminho a ser percorrido. E os estragos feitos pelos anos de negligência persistem. “Pela falta de informação, a paciente com lipedema, frequentemente, passa a vida como uma ‘falsa magra’, isto é, magra da cintura para cima, mas com pernas grossas. Muitas vezes, acredita que esse é o padrão de corpo familiar, já que o lipedema realmente pode afetar várias mulheres da família, então não pensa que pode ser um problema”, ressalta. A crença de que se trata de um quadro de celulite, obesidade ou então retenção de líquido é outro motivo que leva pacientes a demorarem para buscar auxílio médico.
E, mesmo quando procuram um médico, não é incomum que se deparem com um diagnóstico incorreto, pois muitos profissionais ainda não consideram a doença como uma possibilidade, afirmando que se trata de obesidade, sobrepeso ou ainda linfedema. “Hoje já existem algumas diretrizes que ajudam os médicos no diagnóstico, mas, por ser uma doença de tratamento multidisciplinar, é necessário que o médico se dedique a estudar o problema e entenda as várias áreas de conhecimento necessárias para direcionar as pacientes de maneira adequada”, diz a especialista, que afirma que o diagnóstico incorreto atrasa o tratamento, consequentemente agravando o quadro, o que pode levar a dificuldades de locomoção, linfedema, disfunções circulatórias, como insuficiência venosa, e até problemas ortopédicos nos joelhos, seja pela sobrecarga ou alteração da própria articulação. “Além disso, um diagnóstico inadequado pode causar muita frustração à paciente, visto que, além de ser crônico, o lipedema tem como característica o acúmulo de uma gordura doente que, geralmente, não responda às mudanças de hábitos, como dietas e práticas de atividade física, comumente adotadas em casos de obesidade”, alerta a cirurgiã vascular.
Por isso, a Dra. Aline Lamaita reforça a importância da conscientização da população sobre os sintomas do lipedema. “O autodiagnóstico é bastante comum em casos de lipedema. As pacientes rapidamente se reconhecem ao tomar ciência dos sintomas da doença, que incluem aumento simétrico do tamanho dos membros, principalmente das pernas e quadris, apesar de também afetar os braços em um menor número de casos; dificuldade de perder peso, principalmente na parte inferior do corpo; sensação dolorosa ao toque; aumento da frequência de hematomas espontâneos; e maior tendência ao acúmulo de líquido”, afirma a médica, que, por fim, encoraja que as pacientes não tenham receio e busquem uma segunda opinião médica caso suspeitem do problema.
FONTE: *DRA. ALINE LAMAITA: Cirurgiã vascular, Dra. Aline Lamaita é membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV). Membro da Sociedade Brasileira de Laser em Medicina e Cirurgia, do American College of Phlebology, e do American College of Lifestyle Medicine, a médica é formada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (2000) e hoje dedica a maior parte do seu tempo à Flebologia (estudo das veias). Curso de Lifestyle Medicine pela Universidade de Harvard (2018). A médica possui título de especialista em Cirurgia Vascular pela Associação Médica Brasileira / Conselho Federal de Medicina. RQE 26557. Instagram: @alinelamaita.vascular