A partir da questão “Pode a "Saiba mais sobre" arte possibilitar momentos de liberdade para mulheres em situação de cárcere?”, Talita Braga, da Zula Cia de Teatro, propôs um projeto de arte-educação em uma penitenciária feminina. A experiência, que durou um ano, se transformou no espetáculo documental Banho de Sol, que chega em São Paulo pela primeira vez no Teatro Arthur Azevedo entre os dias 23 e 25 de agosto, com sessões na sexta e no sábado, às 20h30, e no domingo, às 19h.
Entre setembro de 2016 e outubro de 2017, quatro artistas do grupo ministraram aulas de teatro uma vez por semana, durante as duas horas do banho de sol. “Eram 30 mulheres acusadas de cometer crimes hediondos ou de repercussão, que naquele momento não realizavam nenhuma outra atividade dentro do complexo, permanecendo 22 horas do dia trancadas. Nossa ideia era permitir algum tipo de liberdade para elas, mesmo naquele ambiente da prisão”, conta Talita.
O trabalho foi ganhando outras dimensões. Além das aulas de voz, de corpo e de teatro, a Zula Cia também levou espetáculos profissionais, debates e até uma exposição para o complexo prisional. “Ao final do processo, fizemos uma cena com elas. O tema escolhido pelas alunas foi exatamente aquela realidade vivida ali”, acrescenta.
Para o grupo, foi interessante perceber a mudança no comportamento das alunas durante as atividades. “Aquelas mulheres começaram a se abraçar, a se maquiar, arrumar o cabelo e até a andar com a cabeça menos baixa. O teatro tem esse poder de dar um corpo diferente para as pessoas”, emociona-se Talita.
A peça tem direção de Mariana Maioline e Talita Braga, que também assina a dramaturgia. A criação e a atuação são de Gláucia Vandeveld, Kelly Crifer, Mariana Maioline e da própria Talita.
Sobre a encenação
“Quando nosso projeto na penitenciária foi interrompido, as alunas manifestaram o desejo de que essa história extrapolasse aquele espaço, chegando a outras pessoas. Assim nasceu o nosso Banho de Sol. Mas nunca quisemos nos colocar no lugar dessas mulheres encarceradas, porque o nosso lugar é outro: o de brancas, de classe média, estudantes de arte que levaram uma atividade lá. Por isso, a peça aborda esse encontro”, explica a dramaturga.
O caráter documental está muito presente nos escritos e áudios das alunas capturados durante o projeto. E, em um determinado momento, algumas espectadoras são convidadas a irem para o palco com as atrizes/professoras e, a partir daí, estas mulheres serão conduzidas para experienciar os jogos teatrais que eram feitos na penitenciária, construindo juntas o Banho de Sol daquela noite.
“Fizemos um espetáculo capaz de retratar o poder humanizador da arte ao mesmo tempo em que revela a barbárie e o horror do sistema prisional, mostrando como aquilo não funciona. E tudo de uma forma poética, sem ficar preso somente a um discurso político e social direto”, fala Talita.
Assinados por Alexandre Tavera, o cenário, o figurino e a expografia remetem ao ambiente prisional. Como as artistas só podiam entrar na penitenciária com uma garrafa de água, papel e caneta, a peça representa bem isso. Assim, o chão tem uma delimitação para representar uma cela e ao fundo fica um paredão de craft colado com fita crepe. Algumas cadeiras de plástico também ficam dispostas no espaço.
Além disso, o público contempla, no hall do teatro, a mesma exposição que aconteceu na penitenciária. São vários tsurus feitos pelas mulheres encarceradas com relatos delas. A ambientação fica completa com as vozes delas ao fundo.
Já a trilha sonora de André Veloso resgata as músicas que faziam parte do universo das aulas: Chitãozinho e Chororó, Amado Batista, Raul Seixas, e Pitty.
A iluminação, assinada por Cristiano Araújo, em muitos momentos do espetáculo remete ao ambiente da aula de teatro dentro da prisão. Uma luz algumas vezes fria, que coloca todo o público dentro do jogo, no palco e, em outros momentos, faz surgir em cena imagens que revelam algo essencial, transportando o público para um outro lugar, bem próprio do teatro.
Banho de Sol estreou em 2019 no Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte e circulou por centros culturais em BH, pela Funarte MG, pelo Centro Cultural Minas Tênis Clube e pelo Centro Socioeducativo São Jerônimo. O espetáculo também integrou a programação do Festival Latino-americano de Teatro da Bahia.
Sobre a Zula Cia de Teatro
Desde sua origem, em 2010, a Zula tem como ponto de partida para a criação teatral, histórias e depoimentos reais de mulheres em situação marginal, como em seus primeiros espetáculos “As Rosas no Jardim de Zula”, 2012, com a direção de Cida Falabella e “MAMÁ!”, 2015, que teve a direção da dramaturga e diretora Grace Passô. A partir destes dois trabalhos, a Cia. se firmou em BH como um grupo de "Saiba mais sobre" pesquisa de Teatro Documentário e teatros do real, com foco no feminino e na condição da mulher na sociedade atual. Em 2019, a Cia. estreou “BANHO DE SOL”, um espetáculo, que surgiu do encontro com tantas outras mulheres, artistas. Em 2023 estreou seu quarto espetáculo, intitulado “CASA”, uma continuidade de sua pesquisa em promover espaços de fala e escuta do universo feminino. Em resumo, a Zula Cia de Teatro faz um teatro com mulheres, sobre mulheres, que comunica com todes!
Sinopse
Ao longo de um ano, quatro professoras de teatro ocuparam um complexo penitenciário feminino, uma vez por semana, durante as duas horas do banho de sol. Esta obra é sobre este encontro. Um convite ao público a lançar um olhar para janelas que foram abertas através da arte, fazendo com que a realidade destas mulheres em privação de liberdade ecoe para além daqueles muros.
Ficha Técnica
Realização: Zula Cia. de Teatro
Direção: Mariana Maioline e Talita Braga
Dramaturgia: Talita Braga
Textos: Gláucia Vandeveld, Kelly Crifer, Mariana Maioline e Talita Braga
Consultoria dramatúrgica: Vinícius Souza
Criação e atuação: Gláucia Vandeveld, Kelly Crifer, Mariana Maioline E Talita Braga
Iluminação: Cristiano Araújo
Trilha sonora e vídeos: André Veloso
Cenário, figurino e expografia: Alexandre Tavera
Direção de texto: Ana Hadad
Assessoria de movimento cênico: Fabrício Trindade
Design: Philippe Albuquerque
Produção executiva: Andréia Quaresma
Produção local: Keila Maschio, Lud Picosque – Corpo Rastreado
Assessoria de comunicação: Marcia Marques – Canal Aberto
Tradução para o espanhol: Tereza Zamorano
Serviço
Banho de Sol
Data: 23 a 25 de agosto, na sexta e no sábado, às 20h30, e, no domingo, às 19h
Local: Teatro Arthur Azevedo – Av. Paes de Barros, 955 – Alto da Mooca
Ingresso: Grátis – Ingressos na bilheteria com 1h de antecedência
Classificação: 14 anos
Duração: 120 minutos
Acessibilidade: O teatro possui acessibilidade para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida. Além disso, todas as apresentações têm interpretação em Libras