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Chico Sant’Anna em um bate papo sobre sua atuação em “Saiba o seu lugar!”

por Elaine Leme

Conversar com o brasiliense Chico Sant’Anna, que construiu credibilidade singular como ator, equivale a uma imersão em mais quatro décadas de história da cena teatral no Brasil. Tudo que sabe e ele sabe muito vem da sua vivência, da troca com outros artistas, diretores e dramaturgos. Um dos profissionais que souberam se reinventar sem jamais perder a sua paixão pelo teatro.

Chico que interpreta Dinho no monólogo Saiba o seu lugar!, fala sobre o seu personagem a BlackCard. A peça que está em cartaz até dia 30 de outubro no Teatro Pequeno Ato, em São Paulo, explora com delicadeza as marcas que o racismo, a violência psicológica e sexual e a exclusão social deixam na vida de milhares de pessoas.

E eu queria falar sobre isso. Algumas experiências desse texto realmente são minhas, mas também há muitas outras pessoas.”

Como foi construir e agora viver o personagem Dinho?

O Dinho nasceu de uma vontade minha de falar sobre angústias e anseios que sempre conviveram comigo, desde muito tempo, mas sempre adiei, talvez por medo, talvez por não me sentir preparado para tanto. Em 2019, quando completei 40 anos de carreira, incentivado pelo Sérgio Sartório, diretor da Cia. Plágio de Teatro, da qual faço parte e que naquele ano completava 10 anos de existência, resolvi que era chegado o momento de aventurar-me neste sempre adiado solo.

E falar sobre o que, nesse monólogo? Eu tinha lido “O canto do cisne”, do Tchekov, que fala do passado teatral de um velho ator, e havia me encantado com o texto. Conversando com o dramaturgo argentino Santiago Serrano, que já havia escrito dois textos para a Companhia, ele me sugeriu que, ao invés de viver o decadente Vassili,  poderíamos falar sobre o meu passado.

Desengavetei meus escritos pessoais, minhas observações sobre a minha trajetória de um homem negro, pobre, que viveu momentos de medo, violência, opressão, preconceito, exclusão e os enviei para Serrano, que baseado neles escreveu “Saiba o seu lugar”. Ao receber o texto pronto e auxiliar o diretor na tradução e adaptação, me deparo com a constatação de que enfrentaria meus fantasmas adormecidos. Dinho estava ali, pronto. Mergulhei na estória dele e foi catártico. Meu temor inicial deu lugar a uma vontade enorme de falar dos meus temores e de tantos outros Dinhos espalhados pela vida.

Fizemos duas temporadas em Brasília, em 2019, e planejamos, a exemplo de outros trabalhos nossos, viajar por vários lugares com ele. Mas aí veio a pandemia e nossos planos foram adiados. Agora, chegamos a São Paulo, com uma temporada de um mês, que está me proporcionando uma alegria e prazer imensos de voltar a escancarar temas tão importantes, principalmente nesse momento tão nebuloso e conturbado que nós brasileiros vivemos.

Como combater o racismo na arte e na cultura?

Nós pretos sofremos na pele, há séculos, não só nas artes, mas também na vida, o preconceito institucionalizado por uma sociedade branca que sempre tentou nos ignorar e nos marginalizar. Precisamos matar um leão por dia, na tentativa de sobreviver, existir, e sermos reconhecidos como pessoas iguais a qualquer ser humano, com as mesmas oportunidades. Nas artes cênicas sempre nos foram oferecidos personagens menores e com menor importância. Temos visto uma lenta mudança nesse cenário, mas que ainda está muito longe de ser o ideal. O racismo é um problema da classe dominante, composta na sua maioria por gente branca. Acho que essa “receita” de como combater esse racismo, quer seja na arte, quer seja cultura, quer seja na vida, deve ser colocada em prática e (re)pensada por eles, que tentam a todo custo diminuir o valor inerente a nós negros.

Foto: Alexandre Magno

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